Na janela de um arranha-céu, ela arranha umas notas no violão. Mal sabia tocar.
Dó. Sol. Fá.
Dó. Sol. Fá.
Os dedos doem e a língua já está para fora pelo esforço para coordenar as notas arranhadas e a velocidade mal treinada de seus dedos fracos.
Ela pára. Respira. Porque não nasceu sabendo? Olha pelo enorme vidro da janela todas as pequenas luzes acesas nos outros arranha-céus a sua volta. As janelas piscam para ela. Acendem e apagam sem parar, em sinfonia. Ela pisca de volta…o que elas querem dizer? Ela acorda de seus devaneios e volta ao violão.
Dó. Sol. Fá.
Dó. Sol. Fá.
De repente, uma nota aguda perfura o vento poluído por buzinadas e aceleradas esfumaçadas.
Lá.
Ela para. Procura. Mas são milhares as janelas e as luzes não param de trocar de lugar.
Dó. Sol. Fá.
Resposta:
Si. Mi. Lá…
O violino não desafina, é seguro e contínuo, encantador. Ele também não para. Faz a base perfeita para seu violão vacilante continuar. Ela continua. Agora, os dois tocam juntos. Por mais que ela procure, não consegue discernir de onde vem o tal violino.
Ré.
O acordeom veio de outra janela misteriosa, começa a tocar melodiosamente belo, fazendo coro ao violino e ao violão no meio da noite. Ela está nervosa, mas em júbilo. Nervosa porque não quer errar as únicas notas que aprendeu e atrapalhar a orquestra recém-formada. Dó. Sol. Fá. Dó. Sol. Fá. Si. Mi. Lá.Ré.
Eles param.
Ela para e se debruça quase caindo pela janela, procurando os músicos. Nada. Só as luzes oscilantes das janelas.
Uma janela aplaude. Depois outra, e outra, e outra, e outra. Aplausos arranham o céu cheio de fuligem. Arranham o céu por entre os arranha-céus que esconderam os músicos da menina, que, com o coração aquecido, volta para o quarto. Puxa um pedaço de papel e escreve: “Do SoFá, saí, para tocar. Dó me deu da SI(ci)dade sem Sol. Mi(e) fui até Lá, na janela e com o som das notas sem-dono, lembre. De Ré-começar sempre. E nunca parar.
De tocar”.
Pela janela,
O papel,
Voou ao léu,
Arranhando o céu.
Clarice Freire