A Viagem de Chico Parte I

Animação linda sobre uma partida. Pra ler e assistir.

                                      Don’t think twice its all right. Bob Dylan. Pra ler e ouvir.

Vou começar hoje a história de alguém que saiu de casa, dividida em três encontros e três posts.

Primeiro encontro: sobre o caixeiro viajante e o ar inocente.

Chico nasceu em uma casa de madeira, à beira de um lago que não era famoso, em algum vilarejo sem fama alguma, portanto, nunca passava ninguém por perto de sua casa. Demorou alguns anos para Chico perceber que sua visão de mundo era um pouco limitada como as margens do lago em frente à casa onde cresceu com seus pais. Foi quando seu pai trouxe da cidade um rádio velho que, em dias de sorte, captava algumas notícias, radionovelas e músicas famosas. Famosas. “Agora, o mais novo sucesso do famoso Sttar Ringo!”

Foi quando Chico conheceu a fama.

Não pessoalmente, claro. Mas virou seu fã incondicional. De repente, sua casa de madeira ficou pequena para a sua vontade de ser famoso. Ele não tinha escolha. Tinha que partir. Quando ficasse famoso e fosse finalmente alguém, voltaria para buscar os pais. Pegou sua bicicleta azul e partiu. Não levou muita coisa consigo, ele sabia que teria tudo que quisesse depois da fama. Levou apenas uma foto do lago, uma câmera velha, presente do seu pai e cinco pães com queijo de cabra.

Dobrou quinhentas esquinas, se surpreendeu com a existência de outros lagos que não o seu. À beira de um deles, parou para descansar. Por alí, em uma bicicleta vermelha enferrujada, vinha uma figura estranha, cheia de bagagens nas costas. A figura avistou Chico de longe e começou a acenar. Chico olhou para os lados e viu que era de fato com ele que a figura falava. Acenou de volta. A figura pedalou até ele e parou sua bicicleta.

–        O que faz um jovem com esse ar inocente na estrada?

–        Eu não sou inocente.

–        Eu não estava falando de você, eu estava falando do ar.

–        Ah, bom.

A figura riu-se e Chico não entendeu do que ele ria. Já não sentia por ele muita simpatia desde que sobrou a esquina.

–        Então, o que um jovem com esse ar inocente faz na estrada?

–        Eu vou pra cidade. Eu vou ser famoso. Ainda não entendi por que o ar é inocente. Se ele é inocente, quem é culpado?

Agora Chico mostrava quem era o esperto da história.

–        Ser famoso? Sério? E o que você tem pra vender? Qual é o seu talento?

Disse a figura ignorando a sua pergunta. Chico calou-se abismado. Como não havia pensado nisso?

–        E talento se vende?

–        Tudo se vende, bebê. Tudo. É disso que eu vivo. Prazer, meu nome é Grinorepe. Eu sou caixeiro viajante.

–        E o que é isso?

–        Eu vendo coisas. Eu vendo tudo. Só não posso vender a fama que você quer. Eu também compro coisas. Você vai pra cidade, não é? Tem dinheiro?

–        Não.

–        Não tem nada?

–        Eu tenho isso.

E Chico mostrou a sua foto do lago, seus pães e a câmera velha. O caixeiro viajante colocou os olhos na câmera. Ele sabia bem que o mercado anda com tendências retrô.

– Eu compro essa sua câmera e você leva algum dinheiro pra cidade ganhar a sua fama. Topa?

Sem muita opção, agora que sabia que precisava de dinheiro, Chico vendeu o presente do seu pai.

–        Adeus, menino com ar inocente. Você tem muita estrada pela frente.

–        Ela vai acabar rapidinho quando eu for famoso.

–        Quando você ganhar seu sonho é que ela começa, ar inocente. A felicidade não está na estrada que leva a algum lugar. A felicidade é a própria estrada. Já diria Bob Dylan, conhece? Ele é muito famoso. E ele não tinha nenhum ar inocente.
–    Não, não conheço. Mas se você está falando do ar, ele não é meu, nem de ninguém. O ar é livre porque é vento. Ele não poderia ser do Bob Dylan. Então, claro que ele não tinha um ar inocente
–    Então o culpado é você.

E a figura se afastou balançando a sua câmera “retrô”.  Chico saiu com a impressão que o caixeiro não falava do ar quando dizia inocente. E seguiu pela sua estrada.

Clarice Freire.

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