Se meu chapéu de pena falasse.

Esse domingo fui almoçar com a família no Paço e, como todo domingo, estava acontecendo uma feirinha de antiguidades.

Lá, olhava os objetos um a um. Coisa antiga, velha, usada, reutilizada, repassada. Um ventilador enferrujado, uns anéis extravagantes, uns chapéus anos 20, todo tipo de santo barroco, de barro e rouco.

“Se essas quinquilharias falassem”, penso eu enquanto me achego a uma barraquinha que vendia soldadinhos de chumbo e moedas velhas, de todos os tamanhos.

Uma senhora de óculos escuros e penas na cabeça (sim, penas na cabeça) para ao meu lado e segura um soldadinho. Olha para o nada e começa a falar. Como só eu estava perto para ouvir, julguei que era comigo que falava, prestei atenção.

-Eu fiz uma cirurgia, sabe.

Fala a senhora. Claro, doença é o primeiro assunto para se iniciar uma conversa com uma estranha atenta.

– Passei meses de cama por causa da garganta. Um horror. Por isso parei de colecionar soldadinhos de chumbo. Eu adoro soldadinhos de chumbo. Meu pai trazia de bolo lá pra casa, pra o meu irmão e eu roubava todos. Hoje tenho mais de cem guardados e não compro mais, desde a minha cirurgia. Meu netinho tem quatro meses agora, não vou botar na mão dele minha coleção. Mas já já passo pra ele e ele passa pros filhos e é assim, né?

-É. Adoro soldadinhos de chumbo também.

Respondo.

Chega mais um casal.

-Olha, Dalva, você lembra dessa moeda? Tenho muitas dessas em casa!

Chega um senhor de bengala.

-Moço, aonde você arrumou esse rádio? Meu pai tinha um em casa, fiquei horas olhando para ele de longe, como é lindo!

Chega uma senhora de muitos colares e saia longa. Também se dirige a mim, dessa vez sem história de doença. Viu que eu olhava uns brincos.

-Um brinco desses não cabe mais pra mim. Fica ridículo. Você precisava ver como eu era. Eu ia pra muitos bailes com uns maiores que esses, chamando atenção.

Comecei a achar que aquilo era uma feira de antiguidades para mim, que parecia olhar peças da produção de arte de um filme de época. Para outros, era um álbum de recordações. Aquelas pessoas se vestiam à carater: brilhos, metais, anéis, colares, penas na cabeça (sim, penas na cabeça. Um chapéu de pena, na verdade). E eles se divertiam perdidos em suas lembranças a cada objeto sem dono à venda.

Já foram donos de pelo menos alguma coisa igual a aquelas dalí, anos atrás. Por isso tinham tantas histórias para contar, tanta coisa pra contar, difícil é alguém parar para ouvir.

Me senti fora de época e fui embora.

“Se essas quinquilharias falassem”, eu tinha pensado. Elas tem voz, sim.

E não é que falaram comigo?

Clarice Freire.

Foto: Paço Alfândega – Recife.

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