Rindo Errado.

– Eu tenho cara de palhaço?!

Disse o palhaço enraivecido e em tom de desabafo, já tirando a tinta da cara. Tinha tido um dia sem graça, com gente sem sal e na verdade ele gostava muito de açúcar. Com açúcar é diferente de sem sal.

– Não.

Respondeu o espelho. Por essa o palhaço não esperava, afinal, aquele nariz não negava.

– Palhaçada! Quem me olha não duvida.

– Grande coisa a sua cara. Hoje ela está péssima. E a minha também por culpa sua. Não tem graça nenhuma.

O espelho costuma ser mais sincero do que gosta o palhaço. Também absolvia muito rápido seu estado de espírito. O palhaço, sabendo que era inútil argumentar, pegou uma tinta vermelha na mesa ao lado e desenhou um sorriso no espelho, exatamente onde estava refletida sua boca murcha.

– Pronto. Você vai ficar sorrindo o tempo todo agora e não depende mais de mim, espelho ranzinza.

– Então você vai pintar as caras na rua?

– Hã?

– Quem passa na sua frente é espelho seu igual a mim, só que alguns também são atores. Eu sou sincero demais pra isso.

O palhaço sem sal ficou desolado. Ele já não suportava um espelho na sua vida com uma sinceridade tão incômoda que o levava a ter vontade de quebrá-lo com energia. Mas não era possível. Não dava para um palhaço viver sem um espelho. Ninguém vive sem uma fonte de auto-amor tão apaixonante como um espelho na sua frente. É assim que as pessoas se apaixonam por si mesmas. Já não bastava esse objeto irritantemente viciante ele ainda tinha que aguentar as pessoas nas ruas agora? Não. Ele não suportaria.

– E como é que você quer que eu faça espelho ingrato? Já não basta meu ridículo na sua frente todo dia? Você tem que rir quando eu rio, chorar quando eu choro. Implantar um sorriso em você é fácil. E no resto do mundo?

– Você está rindo errado, seu palhaço. Carcaça não tem graça.

  Bote sal nesse sorriso agora,

  Pra rir de dentro

  Pra fora.

Clarice Freire.

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