O Segredo.

Ele passou a vida inteira guardando o segredo. Era o que havia de mais escondido, o que se oculta à vista. Ele não contava a ninguém. Era um segredo que a ninguém deveria ser dito. Secreto. Confidência. Segredo confidencial. Ao longo dos anos assumiu um ar de chave e fechadura que só tem quem merece ou por falta de escolha. Levava enterrado em si aquele sentido oculto que ele via como um fantasma em tudo que fazia, ou dizia, ou com quem encontrava. Mas ele não podia contar a ninguém. Não podia. Se contasse, deixaria de ser secreto, não seria mais segredo nem oculto. E o que diriam? Era seu maior temor.

Ele não se via mais sem aquele segredo. Era tão bem guardado que o segredo e ele, ele e o segredo já haviam se fundido em um só. Ele já não sabia mais quem era ele, quem era o segredo. Começou a ficar nervoso, noites em claro, desespero. Antes de dormir, todas as noites, contava o segredo na frente do espelho para si mesmo, quem sabe assim dividia por fim quem era quem e o colocava de volta de onde veio: no escondido. “Vou levar para o túmulo”, sempre repetia. Agora ele começava a temer que isso fosse um tanto precoce, pois o tal segredo grudou por dentro de uma forma que ele pensava poder sufocar a qualquer momento. Ou pior: contar a alguém. Não. Não podia. O segredo é dele, é exclusivo, é oculto, é o único lugar que só ele visita, só ele conhece, só ele abre e fecha. Ou ele agora pertencia ao segredo? Ele não sabia mais

Ia enlouquecer.

Um dia, em um surto psicótico secreto, não suportou mais o segredo ou o segredo não o suportava mais e levantou-se da cama do jeito que estava. Correu. E os conhecidos, o que diriam? O que pensariam? O que responderiam? E os que ele desconhecia? Enquanto corria como um louco, esbarrava em rostos que nunca viu e que pareciam saber de tudo. “Eles já sabem”, pensava. Cansou, não aguentou e em plena praça pública, gritou do alto da fonte que borrifava água pela boca dos anjos gordos:

“Eu sou a luz das estrelas, as coisas da vida, o medo de Amar!”

E esperou a resposta. O julgamento do mundo. O veredicto que tanto temia.

A resposta veio do louco, que assistia a cena abraçado à sua cachaça vencida:

“Ei! Toca Raul!”

Clarice Freire.

Foto: Chave da minha casa em Segovia – España.

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