Depoimento de uma cega e suas cores.

Eu não vejo. É o que dizem. Nunca vi a cor de nada.

Na verdade, não sei bem o que é uma cor, nem como algo pode ter algo que não sei o que é, já que nunca vi.

As pessoas dizem – apesar de cega, escuto muito bem – que não acreditam no que não vêem. Ou que só acreditam vendo.

Eu me pergunto se eu decidisse fazer o mesmo, se conseguiria viver. Afinal, nada ao meu redor existiria, nem mesmo essas pessoas que me dizem que só acreditam vendo. Se eu não as vejo, elas não existem e elas se transformariam automaticamente em fantasmas com voz. Eu me divirto com a ideia. Enquanto me falam, penso “você é um fantasma. Por que dar ouvidos a você? Você não existe”. E em minha imaginação, toda aquela prepotência de quem só acredita no que vê se desmancha de maneira embaraçosa. Fico feliz que mesmo que enxerguem, em minha mente, não vêem nada. O que penso é invisível a todos.

Uns tolos.

Eu não vejo, é o que dizem. Eu vejo sim. Sou daqueles que nasceram com mais sorte que você, que enxerga para me ler agora.

Eu acredito no que toco, na textura das coisas. Eu acredito no que escuto, na música das coisas.

Eu prefiro minhas cores imaginadas, do jeito que as sonho, de acordo com as formas que toco e as notas do que ouço. Prefiro elas do que as suas viciadas, acostumadas. As mesmas cores todos os dias. As minhas cores mudam diariamente, de acordo com minha imaginação.

Por isso, se a voz vem de dentro, de fora, do céu, da terra, ou de um rádio velho, eu não sou preconceituosa. Ouço todas com igualdade e acredito no que eu escuto.

Por isso, eu vejo o coração, porque conheço bem a sua voz.

E você não.

Clarice Freire.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *